O sol brilhava forte no céu, e o calor era intenso. Kimiko sentia o suor escorrendo pelo rosto enquanto se concentrava na luta. Ela sabia que precisaria de toda a sua determinação, habilidade e um pouco mais, para superar Maverick.
Os dois começaram a trocar golpes, avançando e recuando, tentando encontrar uma brecha no outro. Mas Maverick agia sempre da mesma forma debochada. Os olhos de Kimico, brilhavam de forma diferente dessa vez, a chama da determinação ardia no fundo, para mostrar ao velho que ele estava errado, e que havia se tornado uma guerreira forte e capaz, apesar de todas as dúvidas que ele tinha sobre ela. Ele não deixava a garota esquecer, sempre que podia comentava, e Kimiko já estava farta disso. Maverick, por outro lado, estava decidido a derrotá-la, pois acreditava que ela ainda não estava pronta para enfrentar os perigos do mundo real.
Os dois se enfrentaram com suas armas favoritas, Maverick com a espada e Kimiko com o chicote. A luta foi equilibrada no início, com ambos se defendendo e atacando habilidosamente. Mas à medida que o tempo foi passando, Kimiko começou a ficar cansada e o velho aproveitou a oportunidade para golpeá-la com uma estocada rápida.

Kimiko caiu no chão, ofegante, ele ainda estava brincando com ela? Ela se levantou rapidamente, essa luta não parecia ter fim. Ela  arfava cansada, seus músculos doíam, e a essa altura estava suando em lugares que nem sabia que poderia suar. O sol já estava se pondo no céu, e o homem à sua frente continuava com o semblante impassível, o que piorava a situação, tirou algum tempo ali para descansar, um tanto desesperançosa. O velho parecia tranquilo, apesar da idade avançada. Seu manejo com a espada era mais rápido do que qualquer um esperaria, com olhos mais atentos, você perceberia que cada golpe que o mesmo dava era limpo, se movendo o mínimo possível, fazendo movimentos controlados e certeiros, assim como em sua própria vida, Maverick economizava o máximo de esforço que colocava em suas atividades aplicando apenas o suficiente, e guardando seu fôlego. Ela se levantou e continuou lutando com todas as suas forças, esquivando-se dos ataques de Maverick e contra-atacando com o chicote. A luta se prolongou por mais um tempo, até que finalmente, Kimiko conseguir acertar um golpe certeiro no braço de Maverick, fazendo-o soltar a espada. Maverick ficou surpreso com a força e determinação da sobrinha de Kenjiro e sorriu, orgulhoso. Ele parabenizou Kimiko pelo excelente treinamento, mas não disse que ela estava de fato pronta.

Apesar dele ser duro com a garota, ele sabia que a maioria dos piratas não jogariam limpo em suas batalhas, e a maioria das lutas que ela enfrentaria não seriam apenas de um para um. Piratas eram que nem animais selvagens, sempre andando em bando, atrás da carniça. Não há honra entre eles e a garota ainda não estava preparada para matar se necessário. Se ela passasse a vê-los como animais que são, certamente não teria problema em derramar sangue. Ainda deveria passar algum tempo a mais com Kimiko, a preparação física já estava muito boa, mas o preparo mental ainda não era o suficiente. Em uma batalha, os dois lados não podem temer a morte, tanto de si mesmo quanto a morte de seu adversário. E por mais que o certo seria um Marinheiro prender piratas e leva-los a julgamento, a execução antecipada era perfeitamente comum no meio. Poucos marinheiros prezam pela segurança deles, e poucos piratas se rendiam antes de matar alguns adversários. Na verdade, rendimento se quer poderia ser considerado uma opção para eles. Marinheiros tinham muitas baixas, e os olhos e corações dos que sobreviveram a um confronto, eram carregados com a vontade de vingar seus companheiros queridos.

“Estamos fazendo isso a anos Sr.Maverick, como o senhor ainda não é capaz de confiar em mim?” Questionava a garota.
Ambos estavam sentados no cais, olhando mais uma vez o por do sol, após outro treino. Com o passar do tempo, não havia mais conhecimento que pudesse passar a garota, a partir dali, ela teria que aprender por conta própria, com os resultados de suas próprias batalhas, na vida real.

“A sua técnica é boa. Você consegue se manter calma em frente aos desafios. Raciocinar nos momentos mais inoportunos. Mais ainda é uma criança. Ainda pensa como uma criança. A marinha não é para as gorotinhas Kimiko. A vida de muitas pessoas vai estar em suas mãos. E o sangue dela se acumula-ra com o passar dos anos. Amigos, aliados, civis, marinheiros, piratas… ah, esse último vai encharcar e escorrer entre os dedos. A sua própria vida vai depender de até onde você consegue ir. E você ainda não consegue ultrapassar alguns limites, limites esses que são imposições sociais. Mas acredite em mim, muitas vezes, pirata bom é pirata morto. E com certeza eles vão tentar te matar na primeira oportunidade que tiverem. Essas pessoas não são humanas Kimiko, elas não tem o mesmo senso de justiça que nós.”

“É certo que irei tentar, o máximo que eu conseguir, salvar o maior número de vidas. Sejam elas civis, marinheiros ou piratas. Ainda não acho que eu tenho esse poder, sabe? Ninguém deveria ter na verdade. Não se deve interromper o ciclo da vida dos outros. Eu também não acredito que todos são ruins, piratas, nenhum homem escolhe o mal por ser o mal, na verdade, eles apenas o confundem com felicidade. Queria ter a chance de conversar com eles, de saber porque escolheram esse caminho… mas sei que isso não vai ser possível. Muitos estão a tanto tempo nesse buraco escuro e sombrio, que já perderam a capacidade de enxergar a luz. Esses não tem salvação”, pausava Kimiko.

“É por isso que não quero deixar que você se aliste ainda. Seu pensamento ainda é puro. Ordens para você ainda são inquestionáveis. Mas o que você faria se seu superior pedisse para executar um pirata, um criminoso, do qual você ainda conseguisse enxergar luz. Digo mais, se você ainda se achasse capaz de resgatar ele dessa escuridão que fala”

A garota ficou calada. A brisa assobiando pelos seus ouvidos, o som das ondas do mar preenchendo o silência a sua volta.

“O que é mais importante para você? Fazer o que você acredita? ou seguir ordens com os olhos vendados? A vida não é preto no branco Kimiko, e assim como você disse, o que é ruim para uns, as vezes é bom para outros. Você tem que viver de acordo com o seu coração. Mas eu percebo que o seu coração ainda está confuso. Muitas vezes na vida, você será incapaz de seguir o que você acredita, e vai ter que conviver com as consequências disso. Não conseguirá dormir a noite, acordara assustada na madrugada, e provavelmente se lembrará de cada rosto que você matou, ou que você não ajudou, conseguiu salvar. E isso com certeza é a parte mais difícil.”

Kimiko olhara o horizonte, viveu sua vida inteira observando o lindo futuro que as pessoas tinham. Futuros cheios de esperança e vida. Alguns piratas mudaram seu futuro, sem aviso. Ela não pode fazer o que queria, ou o que podia, e seguiu ordens para salvar a sua própria vida, mesmo que o resto de sua vida parecesse arruinada. Agora, ouvindo as palavras do velho, ela sentia que finalmente havia entendido o sentido de tudo. Ela havia se escolhido em primeiro lugar.

E antes de tudo começar a mudar, ela já havia feito essa escolha. Escolher a si mesma antes dos outros. Escolher viver. Escolher um futuro do qual pudesse ser moldado com suas próprias mãos, era melhor do que seguir ordens imutáveis. As vezes a verdade dos outros não é a sua verdade. E tendo isso em mente, a garota sorriu. Começando a ver o seu próprio futuro como uma benção. Uma oportunidade de se desvencilhar das amarras tradicionais de sua família, e traçar seu próprio caminho. A linha de chegada para o destino que ela escolhera, e ela queria. E não apenas viver de acordo com regras que outras pessoas haviam feito para ela. Quem melhor para decidir sua vida do que ela mesma? Más ainda sim, poderia decidir quando a vida de outra pessoa acabaria?

Ela fez uma lista mental, de prioridades.

1- Seguir seu coração.
2- Proteger seus amigos e aliados.
3 - Obedecer ordens.

Era realmente uma evolução para a garota. As pessoas escolhem seus próprios caminhos. E se o caminho delas entrarem em conflito com os seus, ela e seus companheiros deveriam vir em primeiro lugar. Mesmo que isso significasse matar outras pessoas. Precisava ter isso em mente se quisesse sair dali para se aventurar nesse mundo.

Maverick encarava a menina enquanto ela refletia, ele via seu sorriso se alargando e seus olhos brilhando com a nova perspectiva. E foi assim, que ele soube imediatamente que alguma coisa havia mudado. Era claro que Kimiko ainda deveria colocar seu novo caminho a prova. Ela por si só passaria por situações muito piores do que conseguiria imaginar agora.

O homem colocou a mão no bolso, Kimiko percebeu a movimentação e o seguiu com olhos atentos. Ele revelou um pequeno dado azul, translúcido. Não era um dado comum, os pontos pares eram pintados em verde, e os ímpares em vermelho. Ele estendeu o dado para a garota para que ela pudesse pegá-lo.

“Se, um dia você se encontrar indecisa sobre deixar viver ou morrer, jogue esse dado, e siga a ordem que ele der, sem pensar muito. Às vezes pensar demais pode ser um problema, deixe que o universo decida por você. Deixar que viva, ou deixar que morra. Muitas vezes tomei essa decisão com base na sorte dos dados. Assim eu não pude me arrepender, não importava o que caísse eu faria. E deixaria a responsabilidade para o destino, a sorte ou seja lá como queira chamar.”, o velho sorriu, com cara de trabalho cumprido.

Foram anos de treinamento árduo, anos aprendendo a brandir seu chicote. Anos aperfeiçoando suas habilidades em batalha. Mas nada poderia prepará-la perfeitamente para o mundo real. Para batalhas reais. E foi preciso mais um tempo para destruir tudo que ela acreditava como certo, e reconstruir um novo ‘eu’. O velhote, seu tio e o mais importante, ela mesma, acreditavam que a partir de agora ela poderia trilhar essa caminho sozinha, não exatamente sozinha, mas sem eles. Eles fizeram tudo que podiam fazer para preparar a garota para o que via a seguir.

Kimiko acordou cedo, naquele dia. Pois sua rotina já estava bem internalizada nela mesma. Maverick já havia partido da ilha, deixando apenas saudades. Kimiko se lembrou do sorriso debochado dele falando que finalmente poderia curtir suas férias em vez de ser babá de uma criança. Ela sabia que tudo o que falou foi para o seu bem. Ela apertou o pequeno dado azul translúcido contra o peito. E sempre o carregou no bolso, para qualquer lugar que fosse. Quando ela não pudesse decidir, deixaria para o destino decidir por ela. E ela gostou de poder jogar a responsabilidade em algo maior. Alguem que todo o ser vivo tem, quer acredite ou não.

Raios luminosos entravam pela janela de seu quarto, apontando em direção a mesa. Kimiko piscava algumas vezes pensando ser uma miragem. Mas não era, havia uma carta. Uma carta com um selo da marinha. Andou em direção a ela e a pegou nas mãos. Um pequeno bilhete caiu no chão. Ela o pegou e leu. O bilhete em uma mão e a carta na outra.

“Um presente, para a minha sobrinha. Você sabe o que fazer”

Era uma carta de indicação, sonhara com esse dia por muito tempo, e ele finalmente chegou. Levaria a carta lacrada para o Quartel general da Marinha mais próximo. Entraria imponente pelos corredores e se colocaria em frente ao capitão. Daria a carta com orgulho, para finalmente poder começar a colocar tudo que aprendeu em prática. E estava animada, e apreensiva. Ergueu a cabeça, endireitou a coluna e marchou. Exibindo o orgulho de ser uma Miyazaki, ou melhor, de ser apenas a Kimiko. Essa batalha havia finalmente chegado ao fim. Agora, encontraria muitas outras e a superaria. Porque o universo está cheio de possibilidades e a garota ansiava para conhecer e passar por todas elas. Ela sabia do seu potencial, e sabia que poderia superar qualquer coisa.